[Repostagem] Como redigir um parecer acadêmico?

[Repostagem] Como redigir um parecer acadêmico?

Tempo médio de leitura: 6 minutos

Publicado originalmente em: http://dados.iesp.uerj.br/como-redigir-um-parecer/ (2019)

Luiz Augusto Campos (editor-chefe)


As revistas acadêmicas são hoje o principal pilar dos sistemas de divulgação, produção e financiamento científicos. Elas não apenas servem para divulgar as ideias e descobertas de uma dada pesquisa, mas sobretudo para determinar padrões do que vem a ser uma investigação acadêmica legítima e, portanto, digna de prestígio e financiamento.

Não deixa de ser curioso, porém, que a definição do que deve ser ou não publicado por elas dependa em grande medida do trabalho de um grupo anônimo e não remunerado de pessoas: os/as pareceristas. No sistema de avaliação duplo-cega por pares, ainda hegemônico no mundo científico contemporâneo, são as/os pareceristas que mais influenciam o destino de um artigo.

Embora avancem modelos alternativos baseados em avaliações abertas prévias à publicação (preprint) ou na divulgação posterior da identidade dos pareceristas, como proposto pela plataforma PLOS ONE, tudo leva a crer que não se abdicará rapidamente no modelo baseado no anonimato. Vale destacar que, nesse modelo, os pareceres também costumam ter sua leitura restrita aos autores do texto avaliado e editores dos periódicos.

Por isso tudo, muitos acadêmicos e acadêmicas, sobretudo em início de carreira, têm dúvidas sobre como redigir um parecer. Sem nenhuma pretensão de exaustão, o objetivo deste post é expor, em linhas gerais, o que um/a parecerista deve considerar antes de redigir uma avaliação. Trata-se de uma série de normativas consolidadas no decorrer dos anos no fluxo editorial de DADOS e de outras revistas das ciências sociais.

Por que redigir um parecer?

Por serem anônimos e privados, pareceres dão pouquíssimo retorno em termos de reconhecimento acadêmico. Por que, então, redigi-los? Em primeiro lugar, o parecer é o principal instrumento de controle de qualidade da produção científica e dos padrões mínimos dessa atividade. Ao recusar conceder um parecer, estamos terceirizando para outrem tal tarefa, abdicando portanto da possibilidade de garantir certos padrões de qualidade científica.

Em segundo lugar, conceder pareceres é a melhor forma de se manter atualizado em um determinado campo de pesquisa. Nem todos os acadêmicos frequentam todos os congressos renomados de sua disciplina, mas a maioria deseja ter suas ideias publicadas. É comum, também, que neófitos em uma área temática se empenhem em publicar suas pesquisas. Daí a relevância do parecer como via de acesso ao que há de mais fresco sobre um tema.

Em terceiro lugar, o/a parecerista de hoje será o/a autor/a de amanhã e vice-versa. Isso quer dizer que como autores/as, temos a expectativa de que nossos pares sejam diligentes em suas avaliações e, portanto, devemos sê-lo em reciprocidade. Ademais, é comum que editores busquem acompanhar com maior diligência e celeridade os textos de seus pareceristas mais eficientes.

Em quarto lugar, diversos sistemas de avaliação da produção científica têm incorporado a qualidade e a quantidade de pareceres nas suas métricas. O sistema de gestão de fluxo ScholarOne, usado por muitas revistas, já possui um módulo que permite aos editores dar notas aos pareceres é ranquear os/as pareceristas. Algumas áreas da CAPES também consideram a produtividade de pareceres em seus baremas. Sobretudo a partir da construção da plataforma PLOS ONE,  base com dados de milhares de pareceres, é provável que essa atividade seja cada vez mais reconhecida e estudada.

Qual o tempo recomendado para a aceitação e redação de um parecer?

Em geral, concede-se um mês para cada parecerista redigir sua avaliação. Todavia, o importante é informar o mais rapidamente possível os editores de sua disponibilidade, isto é, não postergar o aceite ou recusa ao convite. Isso porque convites sem resposta permanecem em aberto, deixando editores na dúvida sobre a disponibilidade do avaliador e sobre a necessidade de convocação de um segundo ou terceiro nome. Portanto, é mais recomendado aceitar a tarefa e requisitar mais tempo para sua execução do que postergar o aceite indefinidamente.

E se eu não puder redigir um parecer de jeito nenhum?

A rotina acadêmica de fato pode ser extenuante e, na maioria dos casos, isto acaba levando a atrasos justamente nas tarefas com recompensas menos palpáveis. Embora varie o tempo que cada acadêmico dedica a suas distintas atividades, é razoável supor que ele conceda, em média, um parecer a cada dois meses. Mas mesmo nos casos em que de fato é impossível atender a um convite para dar um parecer, os pareceristas podem ser úteis indicando outros colegas e especialistas para a tarefa. Portanto, mesmo que indisponível para conceder um parecer, é bem vinda a sugestão de outros nomes.

O que faz um bom parecer?

Um bom parecer é aquele capaz de resumir as características, qualidades e defeitos de um dado manuscrito acadêmico levando em conta os parâmetros próprios de um dado periódico, de modo a subsidiar a decisão de sua publicação ou não pelos editores.

Note-se que os pareceres são subsídios à decisão editorial e não a decisão em si. Cabe ao editor e seus conselheiros arbitrarem o que fazer com cada texto, sobretudo diante de pareceres conflitantes. Daí a importância de evitar pareceres excessivamente sintéticos do tipo “o texto está bom e deve ser publicado” ou “o texto está péssimo e não deve ser publicado”.  Em vez disso, procure discorrer sobre os méritos e defeitos do manuscrito, indicando claramente porque eles são assim julgados e como eles se expressam no texto. Também recomenda-se que o/a parecerista indique caminhos para as melhorias, sugira referências e destaque trechos pouco claros.

Quais são os pareceres possíveis e o que eles significam?

As revistas costumam disponibilizar cinco deliberações possíveis em um parecer:

Aprovar: o texto poderia ser publicado como está, necessitando no máximo de algumas mínimas revisões ortográficas e gramaticais, nenhuma de conteúdo ou estrutura.

Aprovar com revisões menores: o texto demanda apenas poucas revisões, que em tese podem ser facilmente realizadas pelos autores. Isso abrange problemas de forma, ausência de alguma referência, trecho ou um argumento pouco claro. Apesar disso, entende-se que o texto deva ser publicado. Embora não seja obrigatório, subentende-se também que o parecerista está aberto à reavaliação de uma segunda versão do manuscrito caso ele seja reapresentado.

Aprovar com maiores revisões: o texto demanda revisões mais profundas, mas nada que exija uma reestruturação drástica. Isso abrange problemas de forma mais gerais, ausência de várias referências relevante e muitos argumentos pouco claros. De todo modo, entende-se que o texto deva ser publicado e que a pesquisa que ele produziu não precisa ser refeita. Embora não seja obrigatório, subentende-se também que o parecerista está aberto à reavaliação de uma segunda versão do manuscrito caso ele seja reapresentado.

Rejeitar e ressubmeter: para que o texto se torne publicável e contribua com sua área temática, seus objetivos e estrutura devem ser substantivamente modificados. Essa decisão pressupõe que o texto demanda mudanças profundas, mas que sua intenção original é viável, legítima e pode redundar em contribuições substantivas no futuro, daí o incentivo à ressubmissão. Embora não seja obrigatório, subentende-se que o parecerista está aberto à reavaliação de uma segunda versão, mas que esta poderá ser ressubmetida a novos pareceristas.

Rejeitar: para que o texto se torne publicável e contribua com sua área temática, seus objetivos e estrutura devem ser completamente modificados. Essa decisão não pressupõe que o texto “não tem salvação”, mas apenas que as mudanças necessárias são tão drásticas que elas redundariam em outro texto se fossem feitas.

Como proceder quando um texto for reapresentado ou ressubmetido?

É relativamente comum que autores e autoras ressubmetam textos rejeitados ou os reapresentem depois dos pareceres. Nesses casos, a revista pode achar por bem consultar as/os pareceristas novamente para determinar se as melhorias realizadas foram suficientes. O importante aqui é reavaliar o manuscrito com base no primeiro parecer, isto é, indicar se as modificações respondem às questões levantadas evitando, assim, condicionar a publicação à resolução de problemas do texto original não indicados na primeira avaliação.

Será que eu sou um parecerista excessivamente duro ou leniente?

A rigor, a grande maioria dos manuscritos submetidos a uma revista de qualidade é rejeitada. Por isso, não se puna caso o número de textos que você aprova seja irrisório ou bem menor que os rejeitados. Lembre-se também que sua decisão não é final, cabendo ao editor ratificá-la, moderá-la ou complementá-la.

E se eu detectar algum conflito de interesses?

No mundo ideal da revisão cega por pares, os avaliadores não possuem nenhuma pista sobre os autores dos textos que avaliam e vice-versa. Na vida real, contudo, é comum que a temática, estilo e abordagem de um dado texto insinuem ao avaliador a sua autoria. Quando houver esse tipo de suspeita, a/o parecerista deve avaliar em que medida existe um conflito potencial de interesses, isto é, quando a motivação para um dado julgamento não é apenas o interesse de que o conhecimento avance, o que prejudica a objetividade e imparcialidade de sua deliberação. Nesses casos, o parecerista deve recusar o convite e comunicar sua motivação à equipe editorial. Mais detalhes sobre potenciais conflitos de interesse e ética da avaliação científica podem ser obtidos no Código de Boas Práticas Científicas da FAPESP.

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